terça-feira, 31 de agosto de 2010

Dead Can Dance - Saltarello

Fui Pedir um Sonho ao Jardim dos Mortos
















Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos.
Quis pedi-lo, aos vivos. Disseram-me que não.
Os mortos não sabem, lá onde é que estão,
Que neles se enfeitam os meus braços tortos.

Os mortos dormiam... Passei-lhes ao lado.
Arranquei-lhes tudo, tudo quanto pude;
Páginas intactas — um livro fechado
Em cada ataúde.

Ai as pedras raras! As pedras preciosas!
Relâmpagos verdes por baixo do mar!
A sombra, o perfume dos cravos, das rosas
Que os dedos, já hirtos, teimavam guardar!

Minha alma é um cadáver pálido, desfeito.
As suas ossadas
Quem sabe onde estão?
Trago as mãos cruzadas,
Pesam-me no peito.
Quem sabe se a lama onde hoje me deito
Dará flor aos vivos que dizem que não?

Pedro Homem de Mello

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Lisbon Revisited

















Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

Álvaro de Campos

Electric Litany - Tear

domingo, 29 de agosto de 2010

The National - Fake Empire



...
Turn the light out say goodnight
no thinking for a little while
lets not try to figure out everything at once
It's hard to keep track of you falling through the sky
we're half-awake in a fake empire...

Autofagia




















Minhas
lágrimas à noite,
se escondem nos bares,
onde derramo dores
que escorrem lúpulo


Os meus
sonhos de dia,
eu guardo em retalhos
que embrulham lágrimas
de vários tamanhos


Os meus
anseios acoplam,
consuetudinários,
nos meus escaninhos,
buscando fórmulas de envelhecer


E ainda
agora, a minha aura
esqueceu a hora de avisar
meus sonhos, que se foram
embora sem pedir licença.

José Telles

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Vae Victis























"No ano em que se comemora o centenário da instauração da República em Portugal, a Alêtheia Editores publica um importante documento histórico que revela a versão monárquica dos acontecimentos de 5 de Outubro de 1910, escrita por um dos protagonistas do momento, Joaquim Leitão, escritor, historiógrafo e autor de vários volumes sobre os últimos anos da monarquia portuguesa.
Esta edição é acompanhada de um prefácio de Vasco Pulido Valente, um dos maiores especialistas em história da Primeira República Portuguesa."

cfr. http://causamonarquica.com/2010/08/23/diario-dos-vencidos-joaquim-leitao/
e
http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1645557&seccao=Livros

Moby - Porcelain

Tudo Quanto Sonhei se Foi Perdido






















O que sonhei e antes de vivido
Era perfeito e lúcido e divino,
Tudo quanto sonhei se foi perdido
Nas ondas caprichosas do destino.

Que os fados em mim mesmo depuseram
Razões de ser e de não ser, contrárias,
Nas emoções que, dentro em mim, cresceram
Tumultuosas, carinhosas, várias.

Naqueles seres que fui dentro de um ser,
Que viveram de mais para eu viver
A minha vida luminosa e calma,

Se desdobraram gestos de menino
E rudes arremedos de assassino.
Foram almas de mais numa só alma.

Francisco Bugalho

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

hey wait I've got a new complaint



Nirvana - Heart Shaped Box

Esta Velha Angústia












Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Loved it.

It's in my honey, it's in my milk.




The National- Sorrow

Lei













O que é preciso é entender a solidão!
O que é preciso é aceitar, mesmo, a onda amarga
que leva os mortos.

O que é preciso é esperar pela estrela
que ainda não está completa.

O que é preciso é que os olhos sejam cristal sem névoa,
e os lábios de ouro puro.

O que é preciso é que a alma vá e venha;
e ouça a notícia do tempo,
e. entre os assombros da vida e da morte,
estenda suas diáfanas asas,
isenta por igual.
de desejo e de desespero.

Cecília Meireles

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Beck - "Nausea"



Now I'm a seasick sailor
On a ship of noise
I got my maps all backwards
And my instincts poisoned
In a truth blown gutter
Full of wasted years
Like blown-out speakers
Ringin' in my ears

Oh it's nausea, oh nausea
And we're gone
It's nausea, oh nausea
And we're gone

Now I'm a straight-line walker
In a black-out room
I push a shopping cart over
In an Aztec ruin
With my minion fingers
Working for some God
Who could see his own reflection
In a parking lot

Oh it's nausea, oh nausea
And we're gone
No it's nausea, oh nausea
And we're gone

Now I'm a priest teenager
On a tower of dust
I'm a dead generator
In a cloud of exhaust
I eat alone in the desert
With skulls for my pets
I rate the days, one to ten
With lead cigarettes

It's nausea, oh nausea
And we're gone
It's nausea, oh nausea
And we're gone

A Angústia Insuportável de Gente























Ah, onde estou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!

(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)

Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...

Álvaro de Campos

sábado, 21 de agosto de 2010

Peter Murphy - Deep Ocean Vast Sea

Sea-Wash


















The sea-wash never ends.
The sea-wash repeats, repeats.
Only old songs? Is that all the sea knows?
Only the old strong songs?
Is that all?
The sea-wash repeats, repeats.


Carl Sandburg

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Círculo















Tracei um círculo por sobre a terra.
Era uma estranha, mística forma
Onde eu pensei que, muitos, houvera
Símbolos mudos que a mudança enforma
E da Lei, fórmulas complicadas
Que, do ventre da Mudança, são estradas.

Meu simples pensar em vão quis parado
O correr desta loucura à revelia,
Mas meu pensamento está condenado
Ao símbolo e à analogia:
Julguei que um círculo encerrasse inteiro
Em calma, a violência do mistério.

E assim, em cabalístico jeito,
Ali tracei um círculo, curioso;
O círculo traçado era imperfeito
Embora em sua forma, cuidadoso.
Profundamente, da magia ao falhar,
Lição tirei que me fez suspirar.

Alexander Search

I See Millions of Circles And The Sky so Blue



It keeps spinning around me

Bob Mould - "Circles"

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Someone Send a Runner


(...)
Famous angels never come through England
England gets the ones you never need
I'm in a Los Angeles cathedral
Minor singing airheads sing for me

Put an ocean and a river
Between everybody else,
Between everything, yourself, and home
Put an ocean and a river
Between everything, yourself, and home

You must be somewhere in London
You must be loving your life in the rain
You must be somewhere in London
Walking Abbey Lane

I don't even think to make
I don't even think to make
I don't even think to make corrections...

The National - "England"

Absence















Ce n'est pas dans le moment
où tu pars que tu me quittes.
Laisse-moi, va, ma petite,
il est tard, sauve-toi vite!
Plus encore que tes visites
j'aime leurs prolongements.
Tu m'es plus présente, absente.
Tu me parles. Je te vois.
Moins proche, plus attachante,
moins vivante, plus touchante,
tu me hantes, tu m'enchantes!
Je n'ai plus besoin de toi.
Mais déjà pâle, irréelle,
trouble, hésitante, infidèle,
tu te dissous dans le temps.
Insaisissable, rebelle,
tu m'échappes, je t'appelle.
Tu me manques, je t'attends !


Paul Géraldy

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Quem Faz um Poema Abre Uma Janela














Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Mário Quintana

Losin' my Breath doo doo doo doo doo doo...




So happy I was invited
Give me a reason to get out of the city
See you inside watching swarms on TV
Livin' or dyin' in New York it means nothing to me
I gave my heart to the Army
The only sentimental thing I could think of
With cousins and colors and somewhere overseas
But it'll take a better war to kill a college man like me

I'm too tired to drive anyway, anyway right now
Do you care if I stayed?
You can put on your bathing suits
And I'll try to find somethin' on this thing that means nothin' enough
Losin' my breath, doo doo doo doo doo doo doo
Losin' my breath, doo doo doo doo doo doo doo

You and your sister live in a Lemonworld
I want to sit in and die
You and your sister live in a Lemonworld
Doo doo doo doo doo doo doo doo
You and your sister live in a Lemonworld
I want to sit in and die
You and your sister live in a Lemonworld
Doo doo doo doo doo doo doo doo

This pricey stuff makes me dizzy
I guess I've always been a delicate man
Takes me a day to remember a day
I didn't mean to let it get so far out of hand
I was a comfortable kid
But I don't think about it much anymore
Lay me on the table, put flowers in my mouth
And we can say that we invented a summer lovin' torture party

I'm too tired to drive anyway, anyway right now
Do you care if I stayed?
You can put on your bathing suits
And I'll try to find something on this thing that means nothin' enough

You and your sister live in a Lemonworld
I want to sit in and die
You and your sister live in a Lemonworld
Doo doo doo doo doo doo doo doo
You and your sister live in a Lemonworld
I want to sit in and die
You and your sister live in a Lemonworld
Doo doo doo doo doo doo doo doo...

Losin' my breath
Doo doo doo doo doo doo...

The National - Lemonworld

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Entre Nous











C'est entre vous et moi que ça se passe
entre nos apparences
qui ont l'air de dire que nous ne sommes pas

corps défaits par l'haleine chaude de la nuit
et les jeux bêtes
dormeurs éveillés par un baiser de cheval

le hasard prend forme


Huguette Bertrand

Stand up Straight at The Foot of Your Love



"I still owe money to the money to the money I owe
I never thought about love when I thought about home
I still owe money to the money to the money I owe
The floors are falling out from everybody I know."

The National - Bloodbuzz Ohio

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

And All That Could Have Been - Nine Inch Nails

All I Need - Radiohead

All I Want - Violent Femmes

A Passing Glimpse



To Ridgely Torrence
On Last Looking into His 'Hesperides'

I often see flowers from a passing car
That are gone before I can tell what they are.

I want to get out of the train and go back
To see what they were beside the track.

I name all the flowers I am sure they weren't;
Not fireweed loving where woods have burnt--

Not bluebells gracing a tunnel mouth--
Not lupine living on sand and drouth.

Was something brushed across my mind
That no one on earth will ever find?

Heaven gives its glimpses only to those
Not in position to look too close.


Robert Frost