segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Radiohead - Fog

Quinto - Nevoeiro



Nem rei nem lei, nem paz, nem guerra
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo o encerra.

Ninguem sabe que coisa quer.
Ninguem conhece que alma tem,
Nem o que é mal, nem o que é bem.

(Que ancia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Valete, Fratres.

Fernando Pessoa, in "Mensagem"

domingo, 29 de novembro de 2009

I Cannot Give The Reasons

















I cannot give the reasons,
I only sing the tunes:
the sadness of the seasons
the madness of the moons.

I cannot be didactic
or lucid, but I can
be quite obscure and practic-
ally marzipan

In gorgery and gushness
and all that's squishified.
My voice has all the lushness
of what I can't abide

And yet it has a beauty
most proud and terrible
denied to those whose duty
is to be cerebral.

Among the antlered mountains
I make my viscous way
and watch the sepia mountains
throw up their lime-green spray.

Mervyn Peake

Um Mundo Catita - As Minhas Coisas Favoritas



Enfim...Chamem-me sentimental...
Deve ser da idade..

sábado, 28 de novembro de 2009

Hot Sun, Cool Fire


Hot sun, cool fire, tempered with sweet air,
Black shade, fair nurse, shadow my white hair.
Shine, sun; burn, fire; breathe, air, and ease me;
Black shade, fair nurse, shroud me and please me.
Shadow, my sweet nurse, keep me from burning;
Make not my glad cause cause of mourning.
Let not my beauty’s fire
Inflame unstaid desire,
Nor pierce any bright eye
That wandereth lightly.

George Peele

Serviço Público


"É na Fotografia Beleza, da Rua de Santa Teresa – a partir de 1918 dirigida por Moreira de Campos e, em 1935, tendo como único proprietário António Lopes Moreira – que a burguesia do Porto se revê, possuindo o estúdio uma elegante sala de espera, onde se exibiam retratos da melhor sociedade do Norte. De facto, a Fotografia Beleza deixou um conjunto de várias centenas de milhares documentos fotográficos - um dos maiores espólios que, até ao momento, se conhecem em Portugal, nos quais se incluem mais de 10 000 fotografias em chapas de vidro, de paisagens, nomeadamente paisagem urbana. As restantes espécies são retratos de pessoas do Norte, com relevância para o Porto e arredores.

Este espólio, provavelmente o mais importante fundo do século XX proveniente de uma casa fotográfica portuguesa, inclui ainda a documentação textual de suporte, muito particularmente, os livros de registo dos trabalhos efectuados e encomendados, em número de 375 (352 de pequeno formato, 8 de grande formato e 15 de imagens), os quais, pormenorizadamente registavam o nome e morada do cliente, número de identificação, o formato tipo e a data dos mesmos."

De toda a documentação a que o texto supra alude, interessam-me particularmente as fotos dos clientes da Foto-Beleza...

Ora cliquem lá na página-web do Espólio Fotográfico Português, e inscrevam no motor de busca o nome de algum parente - ou o vosso...

Já encontrei as fotos do meu Avô e Tio-Avô paternos.

Boa sorte!

http://www.espoliofotograficoportugues.pt/

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Yes - Owner Of A Lonely Heart

Monólogo de Segismundo






















Sueña el rey que es rey, y vive
con este engaño mandando,
disponiendo y gobernando;
y este aplauso, que recibe
prestado, en el viento escribe,
y en cenizas le convierte
la muerte, ¡desdicha fuerte!
¿Que hay quien intente reinar,
viendo que ha de despertar
en el sueño de la muerte?

Sueña el rico en su riqueza,
que más cuidados le ofrece;
sueña el pobre que padece
su miseria y su pobreza;
sueña el que a medrar empieza,
sueña el que afana y pretende,
sueña el que agravia y ofende,
y en el mundo, en conclusión,
todos sueñan lo que son,
aunque ninguno lo entiende.

Yo sueño que estoy aquí
destas prisiones cargado,
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño:
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.

Pedro Calderón de la Barca
(1600-1681)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Família Cunha


Brasão de Nuno Leitão da Cunha,
Capitão da caravela "Anunciada", na 1º. expedição ao Brasil.


Nobre e antiga família portuguesa, surge documentada já no séc. XIII.
O primeiro a entre nós usar o nome de Cunha foi D.Paio Guterres da Cunha, Cavaleiro oriundo da Gasconha.
Veio para o Condado Portucalense com seu Pai, D. Guterre, na companhia do Conde D. Henrique de Borgonha - pai do nosso primeiro Rei - a quem o Conde terá concedido Póvoa do Varzim, e outras terras em Guimarães, Braga e Barcelos.
D. Paio Guterres participou na defesa da Fortaleza de Leiria contra os mouros, e esteve na tomada de Lisboa onde quebrou com cunhas de ferro a porta da cidade, por ali entrando o Rei D. Afonso Henriques. Este Cavaleiro teria tal tática por hábito: segundo Sanches de Baena , a tradição relaciona D. Paio Guterres com Cunha-a-Velha, no termo de Guimarães, o que atribuiria ao seu apelido natureza toponímica; mas acrescenta que, de acordo com Jerónimo de Aponte, "D. Payo ganhou Torres Novas e que foi o primeiro que se chamou "Cunha", porque durante os cercos punha cunhas de ferro nas portas, para que os inimigos não pudessem sair; e por isso lhe deram por divisa nove cunhas azuis em campo de oiro" (cfr. Visconde Sanches de Baena, "Pombeiro da Beira".
Outra versão dá conta de que, aquando de um cerco dos Mouros a Lisboa, uma bandeira Portuguesa colocada na muralha do Castelo estava prestes a tombar, vergada sob a força do vento. Apercebendo-se do facto, os Mouros impediam que os Portugueses se lhe acercassem - pois obter o estandarte Português seria já uma vitória - e faziam cair uma verdadeira chuva de setas naquele lugar. D. Paio Guterres terá desafiado a morte para lograr segurar a dita bandeira com duas cunhas, ao que El-Rei D. Afonso Henriques, acompanhando a peripécia, terá exclamado: "A cunha, a cunha!". E desta voz real e das cunhas lhe terá ficado o apelido.

Armas:
De ouro, nove cunhas de azul, postas três, três e três. Timbre: grifo sainte de ouro.

Os Cunha que tiveram o Senhorio de Tábua tiveram origem no primogénito de D. Paio Guterres da Cunha, Fernão Pais da Cunha, 1º senhor de Tábua, e entroncado-se com os Albergaria, usaram Armas que são uma combinação das Armas das duas Famílias.
A chefia desta família encontra-se na Casa dos Condes da Cunha.

Armas dos Cunha, Senhores de Tábua: escudo esquartelado, sendo os primeiro e quarto de ouro, nove cunhas de azul postas três, três e três, e os segundos e terceiro de prata, uma cruz florenciada e vazia de vermelho; bordadura de prata, carregada de nove escudetes de azul, cada qual carregado de cinco besantes do campo postos em aspa.

James - Top Of The World

Mais Um Cume...















A vocês que também acreditaram, o meu reconhecimento.
Esta vista é tanto minha quanto vossa...

Não Sei Quantas Almas Tenho






















Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:"Fui Eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Depeche Mode - The Sun And The Rainfall

"Sun Dance Poem"

Direct link to "Sun Dance Poem" MP3

According to the notes to the sound-tape that accompanied the first edition of Always Coming Home, these poems will have been going to be recorded on site in the Valley of the Na, by the archeologist Pandora, a very long time from now. According to other sources, they were recorded in Todd Barton's studio in Ashland, by Tabit and Intrumo, in 1985. The language is Kesh.

The "Sun Dance Poem" is a meditational poem, made and spoken by the carpenter Buck of Sinshan, recorded in the Blue Clay heyimas in December. The Sun Dance or winter solstice festival is the greatest ceremony of the Kesh year, celebrating the mystical rejoining into a round dance of all that seems separate, the earth and sky, the near and far, the unborn, the living, and the dead.

Wakwahwav Arrakou

Rru wetom darra daigoravanes

hwa

(...sa, par, arai)

Híó lemaha yelemaha

Híó logolemaha yelemaha

Híó folilolemaha yelemaha

Híó lemaha emwey yelemaha

Viddisur hwoi udsurd gade ambad shewey

haitrousur baroi udsurd gade ambad shewey

peuvyaisur gadesur yai amoud shewey

inyesur inye poud wey shewey

Rru whehom darra daigoravanes

geshe

(...peham, rahem, yai)

Yewey gewakwa yehoum

emwey logowakwa,

yehoum,

folilowakwa yehoum.

ge-emweyem wakwa-an yehoum

Sun Dance Poem

Once you said the round word:

sun

(...sky, light, day)

May beauty be beautiful

May beauty have been beautiful

May beauty still be beautiful

May beauty always be beautiful

We are weak and need help from all

We are afraid and need kindness from all

We are foolish and need to think together

We are nothing much without one another

Once you said this round word:

life

(death, soul, mind)

It is mysterious, endless

It has always been mysterious,

endless,

the dance will go on, endless.

it is going on in mystery, endless


Rammstein - Sonne

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Depeche Mode - Question of Lust

Doing, a Filthy Pleasure is, And Short


Doing, a filthy pleasure is, and short;
And done, we straight repent us of the sport:
Let us not then rush blindly on unto it,
Like lustful beasts, that only know to do it:
For lust will languish, and that heat decay.
But thus, thus, keeping endless holiday,
Let us together closely lie and kiss,
There is no labour, nor no shame in this;
This hath pleased, doth please, and long will please; never
Can this decay, but is beginning ever.

Gaius Petronius Arbiter (c. 27–66 )

Rammstein - Keine Lust

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

42 - Coldplay

I am living there as well...


Those who are dead are not dead
They’re just living my head
And since I fell for that spell
I am living there as well
Oh..

Time is so short and I’m sure
There must be something more

Those who are dead are not dead
They’re just living my head oh…
And since I fell for that spell
I am living there as well oh…

Time is so short and I’m sure
There must be something more

You thought you might be a ghost
You thought you might be a ghost
You didn’t get to heaven but you made it close
You didn’t get to heaven but you made it close

You thought you might be a ghost
You thought you might be a ghost
You didn’t get to heaven but you made it close
You didn’t get to heaven but you oh oh
Oh oh…

Those who are dead are not dead
They’re just living my head
Oh..

Coldplay - "42"


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Meanwhile, in another cartoon....

I Can Hardly Wait



"Ladies and Gentlemen: You´re not in Kansas anymore.. you´re on Pandora."

(Toto, Toto!!! come here boy!)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Kraftwerk - Das Model

Alone in Her Beauty


Who is lovelier than she?
Yet she lives alone in an empty valley.
She tells me she came from a good family
Which is humbled now into the dust.

...When trouble arose in the Kuan district,
Her brothers and close kin were killed.
What use were their high offices,
Not even shielding their own lives? --

The world has but scorn for adversity;
Hope goes out, like the light of a candle.
Her husband, with a vagrant heart,
Seeks a new face like a new piece of jade;

And when morning-glories furl at night
And mandarin-ducks lie side by side,
All he can see is the smile of the new love,
While the old love weeps unheard.

The brook was pure in its mountain source,
But away from the mountain its waters darken.
...Waiting for her maid to come from selling pearls
For straw to cover the roof again,

She picks a few flowers, no longer for her hair,
And lets pine-needles fall through her fingers,
And, forgetting her thin silk sleeve and the cold,
She leans in the sunset by a tall bamboo.


Tu Fu (712-770)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Kraftwerk - Pocket Calculator

Conclusão a Sucata!… Fiz o Cálculo


Conclusão a sucata !… Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado…
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo…

A microscópio de desilusões
Findei, prolixo nas minúcias fúteis…
Minhas conclusões práticas, inúteis…
Minhas conclusões teóricas, confusões…

Que teorias há para quem sente
O cérebro quebrar-se, como um dente
Dum pente de mendigo que emigrou ?

Fecho o caderno dos apontamentos
E faço riscos moles e cinzentos
Nas costas do envelope do que sou…

Álvaro de Campos

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Kraftwerk - Tour de France

O Ciclista




O homem que pedala, que ped'alma
com o passado a tiracolo,
ao ar vivaz abre as narinas :
tem o por vir na pedaleira

Alexandre O´Neill

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Kraftwerk - Autobahn

Poema da Auto-Estrada
























Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pelo cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta
Vai na brasa de lambreta.

António Gedeão

domingo, 15 de novembro de 2009

Kraftwerk - Trans Europe Express

Rails


Avez-vous vu le grand train bleu
passer sur l'onde
une fumée électrique entre les jambes
des passagers clandestins
leurs visages découpés
dans une feuille de papier
regards d'acier aussitôt essuyés
par les vagues abouties

c'était à cause du rêve
ou peut-être de la mer
enroulée entre nos yeux

Huguette Bertrand

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

20



.. como o tempo voa, quando estamos empenhados em combater o terrorismo internacional..

Moderate Rock


domingo, 8 de novembro de 2009

Parabéns Scorpia!!


nanana-na-na-na
nanana-na-na-na
nananana
nananana
nananaaaaaa-naaaaaa-naaaaaaa-naaaaaaaaaaaaaaa!!!!

(esqueci a letra, mas ainda me lembro da música.... ;) )

sábado, 7 de novembro de 2009

Nomen Est Omen


ehehehehehehe..................

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Un Cavalier Di Spagna

El caballero de la mano en el pecho
Doménicos Theotokópoulos, el Greco (1540-1614)

Un cavalier di Spagna
cavalca per la via
dal pie d'una montagna,
cantando per amor d'una fantina,
voltati in qua bella donzellina,
voltati un poco a me per cortesia,
dolce speranza mia,
ch'io moro per tuo amor.
Bella fantina, t'ho donato il cor.

Francesco Patavino (1478-1556)

domingo, 1 de novembro de 2009

Uma farsa


O problema com o furor que provocaram os comentários de Saramago sobre a Bíblia (mais precisamente sobre o Antigo Testamento) é que não devia ter existido furor algum. Saramago não disse mais do que se dizia nas folhas anticlericais do século XIX ou nas tabernas republicanas no tempo de Afonso Costa. São ideias de trolha ou de tipógrafo semianalfabeto, zangado com os padres por razões de política e de inveja. Já não vêm a propósito. Claro que Saramago tem 80 e tal anos, coisa que não costuma acompanhar uma cabeça clara, e que, ainda por cima, não estudou o que devia estudar, muito provavelmente contra a vontade dele. Mas, se há desculpa para Saramago, não há desculpa para o país, que se resolveu escandalizar inutilmente com meia dúzia de patetices.

Claro que Saramago ganhou o Prémio Nobel, como vários "camaradas" que não valiam nada, e vendeu milhões de livros, como muita gente acéfala e feliz que não sabia, ou sabe, distinguir a mão esquerda da mão direita. E claro que o saloiice portuguesa delirou com a façanha. Só que daí não se segue que seja obrigatório levar a criatura a sério. Não assiste a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a Bíblia ou sobre qualquer outro assunto, excepto sobre os produtos que ele fabrica, à maneira latino-americana, de acordo com a tradição epigonal indígena. Depois do que fez no PREC, Saramago está mesmo entre as pessoas que nenhum indivíduo inteligente em princípio ouve.

O regime de liberdade, aliás relativa, em que vivemos permite ao primeiro transeunte evacuar o espírito de toda a espécie de tralha. É um privilégio que devemos intransigentemente defender. O Estado autoriza Saramago a contribuir para o dislate nacional, mas não encomendou a ninguém - principalmente a dignitários da Igreja como o bispo do Porto – a tarefa de honrar o dislate com a sua preocupação e a sua crítica.

Nem por caridade cristã. D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um medíocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação. O que, finalmente, espanta neste ridículo episódio não é Saramago, de quem - suponho - não se esperava melhor. É a extraordinária importância que lhe deram criaturas com bom senso e a escolaridade obrigatória.

Vasco Pulido Valente

Saramago e a Insustentável Leveza da Ignorância


Os comentários de Saramago não são nem chocantes nem novos, defende neste texto o escritor Richard Zimler. São unicamente banalidades superficiais.

"Quando José Saramago decidiu espevitar o interesse pelo seu último livro afirmando que "a Bíblia é um manual de maus costumes", a minha primeira reacção - como escritor e como alguém de há muito tempo dedicado aos estudos de religião comparada - foi rir-me para comigo e murmurar "e depois?".

São várias e de ordem vária as razões por que desvalorizei os comentários de Saramago. O Antigo Testamento, praticamente na sua totalidade, nunca teve como propósito constituir qualquer coisa de parecido com um manual de boas ou más maneiras. Ao ler a Bíblia, pouco que seja, ninguém pretende encontrar um modelo para o seu comportamento nos actos do Rei David, de Betsabé, de Noé, de Adão, de Eva ou de quaisquer outras pessoas referidas nas histórias bíblicas. Na tradição judaica, tal atitude pura e simplesmente nunca existiu. Nem o mais ortodoxo dos rabinos obedece hoje à maioria das regras de conduta doDeuteronómio, mais que não fosse por estarem de tal modo datadas que seriam irrelevantes para a vida dos nossos dias. Assim como ninguém no mundo judeu modela o seu comportamento pelo de Deus. Fazê-lo seria considerado ingénuo na melhor das hipóteses ou herético na pior. O Antigo Testamento é formado em grande parte por uma compilação de histórias, muito à semelhança de um romance. E o seu tema principal é a difícil e por vezes tumultuosa relação entre Deus e Israel, entre o criador transcendente de um universo e o seu povo escolhido. É uma história de sobrevivência, de como os israelitas usaram de todos os meios à sua disposição - incluindo a guerra - para defender aquilo que consideravam a sua particular aliança com o Senhor. Como qualquer romance ou outra forma de narrativa que intente descrever todos os cambiantes da conduta humana, dela fazem parte tanto a opressão intolerável, os crimes de guerra e os assassinatos, como também o amor, a dedicação e o heroísmo. Trata de seres humanos tal como eles são, e não como eles deveriam ser. Pegar no Antigo Testamento para criticar a brutalidade dos hebreus ou de outros povos da antiguidade é o mesmo que criticar Dostoievsky por escrever sobre um assassinato premeditado em Crime e Castigo ou criticar Anne Frank por descrever como a crueldade nazi afectou a sua família.

Inclinava-me a pensar que qualquer escritor haveria de olhar como vital, tanto para ficcionistas como para ensaístas, a exploração de toda a gama das emoções e acções humanas, mas ao que parece enganava-me, pelo menos no caso particular de Saramago.

Confesso que as palavras de Saramago me deixaram perplexo de um modo muito pessoal ao implicarem que não deveríamos escrever sobre os horrendos crimes cometidos por seres humanos, pois uma boa parte do que faço nos meus romances é explorar as vidas de pessoas cujas vozes têm sido sistematicamente silenciadas por ditadores, generais e inquisidores religiosos. Penso que escrever sobre a repressão violenta e sobre os tratamentos cruéis é essencial, sobretudo quando se busca a criação de um mundo de mais justiça e humanidade. E uma das coisas que mais respeito e valorizo no Antigo Testamento - apesar de não crer num Deus pessoal e de não praticar nenhuma forma de fé, nem sequer a religião dos meus pais, o judaísmo - é o facto de aí nada ser escamoteado ou escondido. Quem quer que deseje conhecer até onde pode chegar a abominação e a crueldade humanas e até que ponto Deus - ou o Destino - pode ser impiedoso bastar-lhe-á abrir o Antigo Testamento. Para quem nunca o fez, sugeriria que lessem o tratamento dado pelo Rei David a Urias, narrado no Segundo Livro de Samuel. Será difícil encontrar descrição mais poderosa da traição e da brutalidade humanas.

Por outro lado, considerei que no fundo não valia a pena dar importância aos comentários de Saramago, pela ingenuidade e infantilidade da interpretação literal que ele (juntamente com os fundamentalistas religiosos) faz das histórias do Antigo Testamento. Uma das mais importantes lições que retirei do estudo da história das religiões e da mitologia é que as narrativas mitológicas são - na sua maior parte - poesia e não prosa. A história de Adão e Eva é poesia. Ou será que haverá alguém que acredite que Eva foi feita de uma costela de Adão? O autor desta narrativa do Antigo Testamento está a recorrer a uma linguagem simbólica - tal como poetas muito posteriores, como Shakespeare ou Camões, recorreram à linguagem simbólica para criarem as suas obras-primas. Ou será que algum leitor de Os Lusíadas pensa que os navegadores portugueses depararam com um temível gigante chamado Adamastor nas suas viagens da época das Descobertas? Ou, quando a narrativa bíblica conta que Moisés separou as águas do Mar Vermelho no Livro do Êxodo para que o seu povo pudesse fugir do Egipto, será que alguém com mais de dez anos acredita que ele possa ter murmurado algum abracadabra hebraico e produzido tal milagre? Espero bem que não. O Antigo Testamento pode ter como referência um acontecimento histórico - a libertação do povo hebraico -, mas a linguagem utilizada é poética e simbólica. Por assim ser, está aberto a diferentes interpretações. Pode acontecer que o que aqui se pretende é falar da viagem espiritual que cada um de nós pode fazer ao longo das nossas vidas, da escravidão para a liberdade. Nesse caso, a história de Moisés será sobre a nossa aspiração - como indivíduos e como povo - à segurança, a uma vida realizada e com sentido.

Tomar à letra estas histórias é simplesmente não entender o Antigo Testamento e ignorar por completo dois mil anos da tradição poética ocidental.

As palavras de Saramago pareceram-me ainda como o "much ado about nothing", o muito barulho para nada, com que soa qualquer coisa que nem remotamente é novidade. Há cerca de dois mil anos que os filósofos judeus vêm debatendo a brutalidade de Deus e da humanidade no Antigo Testamento, em tons bastante mais emocionados do que os usados no debate em causa. Talvez a história mais criticada do Antigo Testamento seja narrada no livro de Job. Depois de um Satanás céptico dizer a Deus que a piedade de Job se deve apenas à prosperidade de que goza, Deus põe à prova a fé e a dedicação de Job arruinando-lhe a vida da forma mais horrível. Podemos encontrar comentários sobre a interpretação a dar a esta história - assim como de qualquer outra história bíblica - em centenas de livros escritos por filósofos judeus - e também alguns cristãos - ao longo dos últimos dois mil anos. Como é possível que alguém que se considera instruído não tenha consciência desta herança cultural?

As primeiras obras escritas analisando a natureza de Deus, tal como é descrita no Antigo Testamento, são o Talmude, um compêndio dos textos rabínicos sobre ética e cultura compilados entre os anos 200 e 500 da era cristã. Mais tarde, na época medieval, o tema da natureza de Deus foi explorado por dezenas de talentosos filósofos medievais, incluindo pensadores magníficos como Maimónides e Moisés de Leão, autor do século XIII, que escreveu o livro mais influente do misticismo judaico, o Zohar. Mais recentemente, estudiosos como Walter Benjamin e Martin Buber acrescentaram facetas modernas ao debate. A natureza da relação de Deus com o homem - a Sua crueldade e, em particular, a Sua "surdez" face ao sofrimento humano - tornou-se num dos mais importantes tópicos de discussão no mundo judaico desde o Holocausto, pelo mais óbvio e terrível dos motivos. Simultaneamente, este debate filosófico foi sendo reflectido na literatura judaica desde os meados do século XIX, na obra de muitos escritores, de Sholem Aleichem e Shmuel Yosef Agnon - que recebeu o Prémio Nobel em 1966 - a Philip Roth.

Concluindo, custa-me compreender como é que alguém, ainda que vagamente familiarizado com a filosofia e a literatura ocidentais, pode acreditar que erguer-se em 2009 contra a crueldade contida no Antigo Testamento tem alguma coisa de novo ou de chocante. Ou sequer interessante.

O que é interessante é perguntarmo-nos por que razão exige Deus uma tão absoluta fidelidade aos israelitas e os castiga tão brutalmente por Lhe desobedecerem. Por que são outros povos, como os cananitas, olhados com tanto desprezo. O que diz tudo isto sobre as condições políticas e sociais em Israel em 500 a.C. E o que diz a relação de Deus com Israel sobre a "natureza tribal" das religiões da antiguidade.

Estes, sim, são temas importantes a merecer respostas sérias dos estudiosos.

Mas, naturalmente, nada disto mereceu a atenção de Saramago nem dos que reagiram às suas críticas ao Antigo Testamento. O que me traz ao aspecto mais perturbador e alarmante de toda esta tola controvérsia. Os jornalistas e os responsáveis religiosos portugueses de um modo geral trataram os comentários de Saramago como importantes! Graças a eles, os meios de comunicação deram-lhe mais tempo na televisão e mais espaço nos jornais do que a outras questões muito mais importantes. E alguns representantes da Igreja Católica atacaram-no com uma ferocidade emocional que revela bem que consideram tais opiniões sobre o Antigo Testamento como um obstáculo à fé. Mais uma vez, tal como salientei mais atrás, os comentários de Saramago não são nem chocantes nem novos. E apenas representam um obstáculo à fé para quem não tenha a menor ideia do que é e do que pretendia ser o Antigo Testamento. As críticas de Saramago são unicamente banalidades superficiais, que revelam uma profunda ignorância da filosofia e da religião ocidentais e uma total incompreensão da linguagem poética e narrativa de desde há mais de três mil anos. Só quem ignora tal herança, jornalistas e responsáveis religiosos incluídos, poderia tornar o patético desabafo do romancista numa tal polémica. E, para mim, essa foi a parte mais desanimadora e mais perturbante de toda esta "inventada" notícia: descobrir que na sociedade onde vivemos, entre os seus membros mais ilustres e cultivados, possa prolongar-se tão lastimosa ignorância de uma parte importantíssima do legado civilizacional da filosofia e da cultura ocidentais."

in Revista "Ípsilon", 29/10/09
Tradução de José Lima