sábado, 28 de fevereiro de 2009

Lecţia Despre Cerc / A Lecture on the Circle

***
Lecţia Despre Cerc

Se desenează pe nisip un cerc
după care se taie în două
cu acelaşi băţ de alun se taie în două.

După aceea se cade în genunchi,
după aceea se cade în brînci.
După aceea se izbeşte cu fruntea nisipul
şi i se cere iertare cercului.
Atît.


A Lecture on the Circle

You draw a circle in the sand
and then halve the circle
with the same hazelnut stick.

Next you fall to your knees,
then to all fours.
Then you hit the sand with your forehead
and apologize to the circle.
That’s all.


Nichita Stanescu
din volumul Operele imperfecte 1979
/from the collection Imperfect Works, 1979

Pandora


Lecţia Despre Cub / A Lecture on the Cube

***
Lecţia Despre Cub

Se ia o bucată de piatră
se ciopleşte cu o daltă de sînge,
se lustruieşte cu ochiul lui Homer,
se răzuieşte cu raze
pînă cubul iese perfect.

După aceea se sărută de nenumărate ori cubul
cu gura ta, cu gura altora,
şi mai ales cu gura infantei.
După aceea se ia un ciocan
şi brusc se fărîmă un colţ de-al cubului.

Toţi, dar absolut toţi zice-vor:
-Ce cub perfect ar fi fost acesta
de n-ar fi avut un colţ sfărîmat!



A Lecture on the Cube

You take a piece of stone,
chisel it with blood,
grind it with Homer’s eye,
burnish it with beams
until the cube comes out perfect.

Next you endlessly kiss the cube
with your mouth, with others’ mouths,
and, most important, with Infanta’s mouth. .
Then you take a hammer
and suddenly knock a corner off.

All, indeed absolutely all will say
what a perfect cube this would have been
if not for the broken corner!


Nichita Stanescu
din volumul Operele imperfecte 1979
/from the collection Imperfect Works, 1979

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Inscrições Sobre as Ondas


Mal fora iniciada a secreta viagem
um deus me segredou que eu não iria só.


Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que deus me segredou.


David Mourão Ferreira

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Free Harbor


Many ships have asked for sanctuary
In the harbor of my eyes
I refused asylum to all of them
Your ships alone
Have the right to take refuge
In my territorial waters
Your ships alone
Have the right to sail in my blood
Without prior permission.


Suad Al-Mubarak Al-Sabah

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Butterfly Laughter


In the middle of our porridge plates
There was a blue butterfly painted
And each morning we tried who should reach the
butterfly first.
Then the Grandmother said: "Do not eat the poor
butterfly."
That made us laugh.
Always she said it and always it started us laughing.
It seemed such a sweet little joke.
I was certain that one fine morning
The butterfly would fly out of our plates,
Laughing the teeniest laugh in the world,
And perch on the Grandmother's lap.

Katherine Mansfield

Presto (Extra do Wall-E)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Cantiga


a este mote:

Quem ora soubesse
onde o amor nace,
que o semeasse.

Voltas

D' Amor e seus danos
me fiz lavrador;
semeava amor
e colhia enganos.
Não vi, em meus anos,
homem que apanhasse
o que semeasse.

Vi terra florida
de lindos abrolhos:
lindos para os olhos,
duros para a vida.
Mas a rês perdida
que tal erva pace
em forte hora nace.

Com quanto perdi,
trabalhava em vão;
se semeei grão,
grande dor colhi.
Amor nunca vi
que muito durasse,
que não magoasse.
Luís Vaz de Camões

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Dá-me a Tua Mão


Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
e aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.


Clarice Lispector

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Exausto


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

Adélia Prado

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

´T is So Much Joy


’T is so much joy! ’T is so much joy!
If I should fail, what poverty!
And yet, as poor as I
Have ventured all upon a throw;
Have gained! Yes! Hesitated so
This side the victory!

Life is but life, and death but death!
Bliss is but bliss, and breath but breath!
And if, indeed, I fail,
At least to know the worst is sweet.
Defeat means nothing but defeat,
No drearier can prevail!

And if I gain,—oh, gun at sea,
Oh, bells that in the steeples be,
At first repeat it slow!
For heaven is a different thing
Conjectured, and waked sudden in,
And might o’erwhelm me so!


Emily Dickinson

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Mutante


sou tantos "ses"
que se me lembro
perco-me neles...


Hannah Abraão

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Tengo Hambre de tu Boca


Tengo hambre de tu boca, de tu voz, de tu pelo
Y por las calles voy sin nutrirme, callado,
No me sostiene el pan, el alba me desquicia,
Busco el sonido líquido de tus pies en el día.

Estoy hambriento de tu risa resbalada,
De tus manos color de furioso granero,
Tengo hambre de la pálida piedra de tus uñas,
Quiero comer tu piel como una intacta almendra.

Quiero comer el rayo quemado en tu hermosura,
La nariz soberana del arrogante rostro,
Quiero comer la sombra fugaz de tus pestañas

Y hambriento vengo y voy olfateando el crepúsculo
Buscándote, buscando tu corazón caliente
Como un puma en la soledad de Quitratúe.


Pablo Neruda

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Lust


There is a dark sound
Which grows on the hill
You turn from the light
Which lights the black wall.
Black shadows are running
Across the pink hill
They grin as they sweat
They beat the black bell.
You suck the wet light
Flooding the cell
And smell the lust of the lusty
Flicking its tail.
For the lust of the lusty
Throws a dark sound on the wall
And the lust of the lusty
- its sweet black will -
Is caressing you still.


Harold Pinter

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Segunda

Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...

Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!


Manuel da Fonseca

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Nua


Porque me despes completamente
sem que eu nem perceba...
E quando nua
por incrível que pareça
sou mais pura...
Porque vou ao teu encontro
despojada de critérios...
liberto os mistérios
sem perder o encanto
do prazer...
Porque
quando nua
sou única
e exclusivamente
tua...


Isabel Machado

This Week´s Special:

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Poema da Água


A água também nasce pequenina
- nasce gota de orvalho ou de neblina...

A água também tem a sua infância
- quando apenas riacho cantarola
brinca de roda nos redemoinhos
salta os seixos que encontra
e faz apostas de corrida - travessa -
por entre as grotas e peraus
e arranca as flores que a marginam
para engrinaldar a cabeleira solta
sobre o leito revolto das areias...

A água também tem adolescência
- sonha lagos românticos à lua
fitando os astros namorados dela
embevecida em seus olhos de ouro...
e assim sempre amorosa e sonhadora
vai tecendo e bordando - dia e noite
o seu vestido de noiva nas montanhas
e o seu véu de noivado nas cascatas...

A água também tem maturidade
- fica serena e grave em rios fundos
e num destino generoso e amigo
espalha a vida que em si mesma encerra
semeia bençãos para o grão de trigo
abre caminhos líquidos da terra
e enlaça os povos através dos mares...

A água também tem sua velhice
-e de ver-lhe os cabelos muitos brancos
onda lenta de espuma destrinçada em neve, nos ares flutuando...

A água também sofre...e quando sofre
se faz divina e vem brilhar em lágrimas
ou se reflete a dor da natureza
geme no vento transformada em chuva.

A água também morre...e quando seca
- e a sua morte entristece tudo :
choram-lhe, enfim na desolação,
todos os seres vivos que a rodeiam
porque ela é o seio maternal da vida
e de tal maneira ama seus filhos rudes
que muitas vezes para os salvar se deixa
ficar sem o murmúrio de uma queixa
prisioneira de poços e açudes...

Bendita seja, pois, água divina
que fecunda, consola, dessedenta, purifica,
e que, desde pequenina,
feita gota de orvalho,
mata a sede das plantas entreabertas
e prepara o festivo esplendor da primavera...
e que, nascida em píncaros da serra
vem de tão alto, procurando sempre ter
um fim de planície e de humildade
até perder, na última renúncia,
o nome de batismo de seus rios
para ficar anônima nos mares.


Raul Machado

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Encantamento


A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...

Tasso da Silveira

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Soneto de Mar e vôo quase pássaro


Possuis provavelmente repetido
da ave o vôo nas mãos e nos cabelos;
nos teus lábios maduros e vermelhos
há certamente um pássaro ferido

que se refaz, de vôo prometido;
são de asas silenciosas teus artelhos:
e há também um mar que em teus joelhos
repousa, um mar na cor do teu vestido

transparente, finíssimo, de gaze,
quase desfeito ao vento, voando quase:
um mar pousado em ti, calado e breve.

Digo eu que sei que me perdi no mar
que em ti descansa e que aprendi a voar
sem consequências com teu corpo leve.



Gonzaga Leão

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Mediadora do Mutismo


Onde não começa o sopro
no côncavo da língua muda
o peso da sombra entre ruínas,
falha que nunca coincide.

Silêncio do incontível, como
recusar a veemência
desta cegueira? Antes da fuga
Das formas, no sem fundo

Inabitável. Artérias vivas,
estrelas, relâmpagos,
jorrarão da obscuridade vermelha?
E as palavras serão o espaço

Do grito,
o espaço de nada, o espaço
do espaço,
a obscura dor da terra?


António Ramos Rosa

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Mediadora da Palavra


Um rumor irrompe das nocturnas
margens. Sombras deslumbrantes.
Um fulgor que desnuda e que despoja.
Campo de água ágil. Dança

Imóvel. Uma cegueira arde
Incendiando o tempo. Pátria
áspera de delicado alento.
Soberano marulhar do inexplorável.

Unânime é a pedra. Selvagem
a palavra despedaça a língua.
Um silêncio central domina e orienta
A substancia primária. A palavra inicia.

Rapidez da água entre resíduos
obscuros. Talvez o diadema.
Talvez a obscura dança aérea.
O leve poder do fogo, as suas marcas

ácidas. Pulsação
dos poros. Ardor do silêncio
no nocturno centro. Fulgor do desejo.
Uma deusa de água espraia-se nas palavras.

António Ramos Rosa



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Serenata


Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.


Cecília Meireles

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Stone Temple Pilots - Big Empty

A Lucidez Perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Apocalyptica - Stairway to Heaven

Os Anos São Degraus


Os anos são degraus; a vida, a escada.
Longa ou curta, só Deus pode medi-la.
E a Porta, a grande Porta desejada,
só Deus pode fechá-la,
pode abri-la.

São vários os degraus: alguns sombrios,
outros ao sol, na plena luz dos astros,
com asas de anjos, harpas celestiais;
alguns, quilhas e mastros
nas mãos dos vendavais.

Mas tudo são degraus; tudo é fugir
à humana condição.
Degrau após degrau,
tudo é lenta ascensão.

Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da estrada
se encontre após esta ansiedade imensa
uma porta fechada
— e nada mais?

Fernanda de Castro

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Um Dia


Um dia mortos gastos voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala

Sophia de Mello Breyner Andresen